13 outubro 2010

Cartas de um Diabo a seu aprendiz

“Há dois erros semelhantes mas opostos que os seres humanos podem cometer quanto aos demônios. Um é não acreditar em sua existência. O outro é acreditar que eles existem e sentir um interesse excessivo e pouco saudável por eles.” Assim, C. S. Lewis inicia sua obra "Cartas de um Diabo ao seu Aprendiz". E, para minha profunda tristeza, vejo a primeira opção como reinante na mentalidade evangélica atual.
O livro se trata de uma peça que cutuca a cristandade para a realidade de um mundo espiritual ativo e fortemente nocivo. Seu argumento e linha de composição básica é a estratégia lúcida e bem formulada do diabo, com o auxílio dos seus anjos, a fim de atrapalhar os seres humanos rumo ao relacionamento com o Criador. É interessante perceber que não importa o quanto o “paciente” em questão consiga novas maneiras de se aproximar de Deus, os demônios sempre tem novos métodos de atolá-lo em seu próprio pecado, muitas vezes de maneira sutil. Aliás, sutileza é claramente vista como uma forte arma contra os cristãos mais racionalistas e conservadores. Não posso falar muito, sou um deles...
Há muito que Lewis não cita no quesito pecado. Não é uma idéia de se compor uma lista exaustiva, mas de expor os princípios da fraqueza humana e até de certa ingenuidade. Peguei-me muitos momentos enxergando-me na pele do rapaz-alvo dos anjos caídos. Nós, seres humanos, somos bem tolos, e o autor fez questão de frisá-lo durante cada capítulo, em especial, no seu foco de impactar o cristianismo morto do século XX na Europa. Embora a dedicatória mostre que o livro foi direcionado à Tolkien, é como um codinome do público, o apelido da mentalidade européia já cansada da religião cristã.
O Brasil caminha com longas passadas para o mesmo rumo da Europa. Contudo, acompanhando o racionalismo filosófico que envenenou o continente de C. S. Lewis, temos o ingrediente do sincretismo. Quando poderíamos ignorar a natureza humana e dos demônios, temos idéias totalmente errôneas sobre eles. E, por não conseguir distinguir nossa própria cosmovisão, a Igreja evangélica tem conceitos de Deus, Cristo, o mundo e salvação dignos de um picadeiro de circo!
Lewis escreveu para sua época. Mas como os líderes da Igreja brasileira hoje deveriam enfrentar suas barreiras? Um ensino sistemático da doutrina e de apologética seria muito interessante. E ainda nisso, é impressionante notar a falta de ênfase em pregações, músicas, literatura sobre consagração pessoal e a luta pela obediência. Fomos cercados pelo experiencialismo, a contemplação mística a Deus, e pelos passos práticos para a felicidade. Volto a tocar no assunto da sutileza do diabo. Ele está mais interessado em um cristianismo medíocre, conformista e raso do que existir depravação e assassinatos nele. Quer mais pastores hipócritas, ocupados demais com questões secundárias do ministério do que adúlteros e ladrões (embora estes também continuem a existir).
E essa realidade continuará sendo ignorada por boa parte dos evangélicos se não houver reeducação. Creio que neste exato momento, episódios como o de Vermebile e seu tio, Fitafuso, ocorrem no mundo espiritual, mas com pacientes brasileiros. Muitos deles, em nossas igrejas. A alguns deles somos nós. Espero apenas ter um fim glorioso para Deus e humilhante para o Inimigo como o cristão da obra de C. S. Lewis, e levar muitos outros a desejar o mesmo.